
Estive de passagem por Treze Tílias (Dreizehnlinden), esse município do oeste do Estado de Santa Catarina com meu esposo, que é alemão, em 2014 por apenas meia hora (!). Sério. Fiquei tão bem impressionada que jurei voltar e, quatro anos depois, em janeiro de 2018, retornei em uma viagem em família, acompanhada dele e de minha mãe para passarmos 3 dias na aconchegante cidade. Meu esposo gostou muitíssimo da experiência e notou que o povo ficava muito feliz em falar alemão com estrangeiros como ele.
Fundada após a Primeira Guerra Mundial, Treze Tílias (Dreizehnlinden) é resultado da grave crise gerada após aquele conflito, que arrasou a economia da Áustria. Veja nesse vídeo, um documentário sobre 13 Tílias. Hoje é considerada o “Tirol brasileiro”, por reunir brasileiros descendentes de austríacos (principalmente do Tirol austríaco, mas também do italiano), que foram imigrantes econômicos (exatamente como ocorre hoje na Europa, onde imigrantes econômicos tentam prosperar e escapar da penúria em seus países de origem).
Imagens do Belvedere, cuja inauguração contou com representantes da Embaixada da Áustria, que se deslocaram de Brasília a 13 Tílias:
O excelente Museu Municipal Ministro Andreas Thaler conta a história da imigração, reunindo um acervo com documentos, livros, objetos e fotos dos imigrantes, além de matérias jornalísticas sobre a cidade:
À época, nos anos 20 e 30, uma boa parte da população austríaca foi incentivada a se mudar para o Brasil porque o governo simplesmente não conseguia suprir as demandas do povo. Assim, uma comitiva do governo austríaco de então se deslocou à América do Sul, pediu o auxílio do governo brasileiro, de Getúlio Vargas, e procurou pelo local que mais se assemelhasse à vegetação e clima da Áustria. O local escolhido foi a atual microrregião de Joaçaba (oeste catarinense). O nome Treze Tílias é originário do poema épico de Friedrich Wilhelm Weber (1813-1884), que fala sobre treze árvores de tílias.

A tília é uma árvore típica da Europa, mas eu vi algumas plantadas nos parques da cidade (e até comprei chá de tília por lá, muito saboroso por sinal).
Ao contrário da tília, a edelweiss, flor típica dos Alpes, e também um dos maiores símbolos da cidade, não floresce no clima brasileiro. Porém, lembranças típicas com referências à edelweiss e outros símbolos austríacos podem ser encontrados no Mundo Tirolês, um espaço onde é possível comprar cachaças, cervejas e licores artesanais, artesanato de excelente qualidade, além das roupas típicas usadas pelos grupos de dança folclórica. São registros de tradições mantidas, com muita dedicação e esmero, ao longo de décadas:
Emigrou também o então Ministro da Agricultura da Áustria, Andreas Thaler, acompanhando as famílias dos imigrantes. Todos em busca de melhores condições de vida. Andreas Thaler tem lugar de honra na memória dos habitantes e seus descendentes (todos) se tornaram excelentes artesãos.
Duvida? Então veja como praticamente todos os Thaler são artesãos – e cada trabalho é mais lindo do que o outro. Basta andar pela cidade para se deparar com os ateliês, praticamente vizinhos. As esculturas em madeira, tradicionais no Tirol austríaco, vieram junto com os imigrantes:
Há ainda descendentes de austríacos provenientes das regiões de Salzburgo, Vorarlberg, Alta Áustria, Caríntia e Viena. Quando os austríacos chegaram, já viviam na região descendentes de imigrantes da Alemanha (vieram do Hunsrück e da Westphalia) e de italianos oriundos do Vêneto e da Lombardia. Treze Tílias é uma entre as centenas de cidades brasileiras, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, de forte influência alemã, austríaca, italiana, polonesa, ucraniana, holandesa, búlgara, leta, lituana etc. É aquele vasto “Brasil imigrante” – que ainda conserva costumes e dialetos perdidos no século XIX, muitos deles não mais existentes na Europa contemporânea, mas que nem por isso deixa de ser parte do Brasil – e que fala português (óbvio!). Não são “guetos” ou “enclaves”, como já ouvi em uma observação maliciosa de uma americana: são vastas regiões em Estados inteiros. Posso citar alguns exemplos no meu Estado, Rio Grande do Sul, que me vêm à mente: as regiões da Serra Gaúcha, os vales do Taquari (onde trabalhei por muitos anos em um jornal, uma região que engloba 36 municípios), do Caí e o do Rio Pardo, só para citar algumas regiões de vasta influência germânica, italiana ou eslava.

Em 13 Tílias, a cultura austríaca é preservada no dialeto, na arquitetura alpina da cidade, na culinária, nas cervejarias artesanais (a Bierbaum, que gosto muito, foi eleita recentemente a melhor cerveja da América do Sul e há ainda a Linden Bier, localizada em um hotel da cidade) e nos grupos folclóricos de dança e canto que animam as festas do município. Krampus, criatura mitológica que acompanha São Nicolau (vulgo Papai Noel para os brasileiros) durante a época do Natal, ainda é celebrado uma ou duas semanas antes do Natal (as pessoas saem vestindo máscaras em um desfile pelas ruas de Treze Tílias). Bruxas também são admiradas – os moradores abrem as portas das casas no último dia do ano, pois acreditam em uma superstição segundo a qual as bruxas irão “varrer” as más energias dos ambientes. São extremamente católicos e o cemitério com referências à Edelweiss é dos mais bonitos que já vi. Tradições e costumes são preservados nas famílias e despertam o interesse de visitantes brasileiros e europeus – a exemplo do meu esposo, para quem muitas das tradições nessas cidades brasileiras são mais preservadas do que na Europa contemporânea.
Essas carrancas estão relacionadas a Krampus. Os moradores saem em um desfile com máscaras na semana que antecede o Natal, o que me foi relatado pela atendente de uma esplêndida loja de esculturas em madeira. Essas máscaras artesanais, no caso, são decorativas, chamadas, em alemão, de Krampusmaske ou Krampuslarve:


Eu assisti a uma apresentação da Banda Tirolesa, a qual foi formada pelos imigrantes no início dos anos 30, durante a longa jornada que fizeram da Áustria ao Brasil. No repertório, músicas dos antepassados e até a Aquarela do Brasil. Desde então, o grupo musical é tradição na cidade, com apresentações ao ar livre e nos principais pontos de Treze Tílias:
Minha dica de hotel: o 13 Linden
Os hotéis da cidade são simples, sem muito luxo, mas isso não importa, pois você será acolhido em um ambiente familiar, de Brasil interiorano, onde o que importa é o aconchego do lugar. Ficamos hospedados no 13 Linden, um hotel charmoso onde a comida é deliciosa (o café da manhã sempre tinha alguma torta com receita austríaca), os quartos, apesar de simples, são limpos e bem arrumados e o ambiente remete à imigração em cada detalhe.
Além desses diferenciais, em todos os cafés-da-manhã, incluídos na diária, fui agraciada com apresentações musicais com instrumentos típicos! O proprietário do hotel, que também integra a Banda dos Tiroleses, e seu neto tocavam a corneta dos Alpes no terraço – que era meu lugar favorito para desfrutar da comida e da vista da cidade.
Minhas impressões enquanto brasileira de ascendência germânica
Treze Tílias personifica um aspecto curioso que eu até mencionei na minha monografia de pós-graduação, embora não com referência direta à cidade. O estrangeiro tende a aceitar apenas o Brasil que considera “genuíno”, romantizando uma terra onde haveria uma “natureza intocada” e unicamente populações autóctones, não aceitando que o Brasil também recebeu imigrantes como outros países, a exemplo dos Estados Unidos, Austrália ou Canadá. Há ainda como refletir sobre a ideia equivocada de muitos estrangeiros, para os quais a sociedade brasileira seria “fraturada”. Nada de mais falso em ambas as visões.
Deixo aqui para reflexão duas citações que utilizei em minha monografia, que expressam bem o que quero dizer: uma do sociólogo jamaicano Stuart Hall, imigrante na Inglaterra, e a outra do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, a quem muito recorri em meu trabalho e que dedicou-se a interpretação do Brasil. Sobre culturas do Novo Mundo fantasiosamente vistas pelo olhar europeu atual como “não contaminadas” pelo racionalismo ocidental:
“É uma fantasia ocidental sobre a ‘alteridade’: uma ‘fantasia colonial’ sobre a periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como ‘puros’ e de seus lugares exóticos apenas como ‘intocados’”.
HALL, Identidade, p. 80.
E o que une os brasileiros, de Norte a Sul do país, para além do idioma. Uma das melhores definições que já vi:
“Isso apesar de os não europeus, em relação aos europeus, virem sendo numerosos desde o século XVI, na população brasileira, na qual também não-cristãos vêm sendo admitidos em número considerável, nas últimas décadas, através de uma política de tolerância religiosa que põe à prova a vitalidade cultural do cristianismo face a imigrantes maometanos, japoneses e judeus. […] Isto não implica que os brasileiros, pelo fato de serem portadores, no sentido sociológico, de uma civilização que deve ser considerada, em seus traços decisivos, rebento de uma civilização cristã de origem europeia, sejam apenas, e passivamente, a expressão de uma civilização subeuropeia. Ao contrário: eles são, cada vez mais ultraeuropeus; e têm desenvolvido mais e mais formas novas, ou modificadas, de civilização ocidental no continente americano como preservação. Formas e substâncias: valores culturais europeus que em áreas tropicais americanas vêm adquirindo novos aspectos. As condições físicas dessas áreas têm sido as primeiras a exigir a adaptação de vários desses valores e formas e estilos de cultura de origem europeia a novo ambiente. O próprio fato de a maior parte do Brasil ser tropical, e todo ele tropical, quase tropical e para-tropical em sua cultura nacional, constitui estímulo à diferenciação social e cultural dos brasileiros em relação à Europa e à adoção, por brasileiros de várias origens étnicas e culturais – italianos, alemães, poloneses, japoneses etc – de maneiras de viver e vestir, de culinária, de estilos arquitetônicos, de formas de recreação e de tendência musicais que representem uma adaptação pioneiramente iniciada por portugueses de valores europeus e situações tropicais. (…) Talvez isto explique por que imigrantes não-portugueses, embora capazes de introduzir na variante brasileira da civilização europeia e cristã, valores próprios de suas culturas – germanismos, italicismos, anglicismos, galicismos etc – venham revelando a tendência para se conformar com uma estrutura luso-brasileira dessa variante de correlações: uma civilização luso-tropical de base lusitana. Essa estrutura lusitana no Brasil é um fenômeno nacional e não regional. Diversos acréscimos étnicos e culturais vêm enriquecendo essa estrutura sem destruí-la: alemães, em Santa Catarina e em parte do Rio Grande do Sul; italianos, no Rio Grande do Sul e em São Paulo; poloneses no Paraná; japoneses em São Paulo e agora em parte da região amazônica e no Nordeste; sírios, também em São Paulo – todos esses neobrasileiros vêm concorrendo para enriquecer a civilização brasileira. Houve, na Região Sul, temperada, do Brasil pequenas tentativas da parte de um ou dois desses grupos étnicos não portugueses para se manterem separados da comunidade luso-brasileira, ou luso-afro-ameríndia, ou seja, da maior parte da comunidade ou civilização luso-tropical. Mas pequenas e inócuas tentativas. […] Civilização luso-tropical é uma expressão que venho sugerindo para caracterizar aquilo que me parece uma forma particular de comportamento, e também uma forma particular do português vir-se realizando no mundo: sua tendência para preferir os trópicos para sua expansão extra-europeia, a sua capacidade para permanecer com êxito em espaços e ambientes tropicais e a crescer e multiplicar-se. Êxito tanto do ponto de vista cultural como biológico, intermediários que têm sido, mais que qualquer outro europeu, entre a cultura europeia e as culturas tropicais […]”
FREYRE, Novo Mundo nos Trópicos, 1971, p. 169 e 170.
Então, o que torna o teuto-brasileiro diferente do alemão é essa adaptação à cultura lusitana-brasileira (e eu vi isso bem nos 13 anos em que morei no Sul! E sou natural daquela região e também descendente de alemães pelo lado paterno e materno). E mesmo assim, as pessoas nessas cidades brasileiras de predominância europeia não portuguesa mantêm um apreço a tradições não mais visto na Europa moderna. Eles mantêm um elo com uma Europa não mais valorizada – e estão no Brasil, onde constituir família ainda é central para muitos, ao contrário da Europa de hoje, onde esse projeto não é mais tão priorizado quanto antigamente (minha avó paterna, por exemplo, prussiana, tinha algo como dez irmãos e irmãs, algo impensável na Alemanha moderna e até mesmo no Brasil atual). Mas, enfim, aqui já são 210 milhões. 😉
O Brasil é UNO. O Brasil não é fraturado. A minha experiência é de que os estrangeiros – incluindo os vizinhos sul americanos – jamais irão entender essa nossa peculiaridade, a de que todas essas amplas nacionalidades possuem uma matriz central, que no caso do Brasil é Luso-Ibérica (Luso-Brasileira) e Católica. E esse elemento Católico e Português está presente em todas as Regiões. É um fenômeno nacional e não regional. Não é por acaso que Dom Pedro I formou um Império ao invés de um “Reino do Brasil” ou de uma “República”. Um Império é multiétnico e multicultural (mas não no sentido globalista moderno do termo). Não vejo porque o brasileiro, que sequer é compreendido lá fora como “herdeiro da civilização Ocidental” (mais uma visão equivocada deles e que nenhuma ideologia ou interpretação da realidade feita por eles poderá deturpar) tenha então que abrir mão de um território tão vasto e rico como o Brasil, cheio de História, cultura e passe a se contentar com o mínimo…
Como conclusão, dá para notar que Treze Tílias é muito próspera, justamente pela agroindústria, indústria de laticínios etc. A agropecuária, uma das bases da economia é homenageada com a escultura dessa vaca.
É uma cidade importante para a economia do Estado de Santa Catarina e Região Sul. As pessoas são simples, nada pretensiosas e muito receptivas, até porque essas cidades de influência europeia não portuguesa obtêm um lucro expressivo através do turismo. O turismo não é tão forte como em cidades de influência germânica que também visitei, a exemplo de Gramado, Pomerode, Blumenau, Petrópolis etc, mas também é relevante em Treze Tílias.
Auf Wiedersehen e desfrute dessas três galerias. A primeira com cenas da igreja e mais algumas da cidade, a segunda com o Parque do Imigrante e a terceira com outro lindo parque, que também vale a visita, o Lindendorf:
A melhor matéria, que encontrei sobre o assunto que me interessava, o livro de poemas ” Dreizenhnlinden“, tanto visual, quanto a pesquisa histórica. Parabéns pelo trabalho todo!
H.F. NORBERT
Terei que conhecer! Este ano passado conheci o sul além de Curitiba aonde tenho família. Foi uma primeira viagem e certamente voltarei. Concordo plenamente com a sua abordagem sobre a importância do multiculturalismo presente no Brasil e desconhecido no exterior … o Brasil é um dos países mais mal compreendidos inclusive pelos brasileiros que preferem ir a Europa e menosprezam tudo que é brasileiro. A Embraer tem sido um fracasso mesmo e por isso o Brasil ainda é um país altamente desconhecido lá fora.
Eu divulguei aqui nesse blog abordagens sobre o imaginário do Brasil no exterior. Tem vídeo no YouTube da apresentação da minha monografia de pós-graduação e na seção “Sobre” está o link para a monografia inteira. Obrigada.