Cemitério da Consolação: tour obrigatório aos fãs de arte sepulcral
Mausoléu do escultor Materno Giribaldi (1932)
Em setembro de 2022, quando estive em São Paulo pelo meu aniversário, celebrei a data com um dos meus programas prediletos: visitei (pela nova vez!) o cemitério mais antigo de São Paulo, fundado em 1858, no primeiro bairro da cidade, o Higienópolis. Quem segue o blog sabe o quanto sou fã de arte cemiterial e essa necrópole, verdadeiro museu a céu aberto e monumento de arte penitencial, demanda visitas por conta de seus trabalhos escultóricos, jazigos, mausoléus, túmulos belíssimos de marmorarias e escultores europeus e brasileiros famosos. Tive o privilégio de participar de um tour guiado que durou 2h30, com excelentes explicações que abarcam muito da História do Brasil. Obrigatório aos amantes da arte tumular.
O guia, Francivaldo Almeida Gomes, é excelente e há 22 anos conduz esse tour repleto de história e beleza. Francivaldo começou a trabalhar como sepultador. Após a morte do professor de história que trabalhava como guia assumiu a função. Ele define o Cemitério da Consolação como a sua faculdade. Os interessados em participar podem enviar um e-mail para assessoriadeimprensa@prefeitura.sp.gov.br
A necrópole ocupa uma área de 76 mil metros quadrados, equivalente a três campos de futebol. Aqui estão 8,5 mil túmulos, sendo 300 de importância histórica e artística. É conhecido como museu histórico a céu aberto por conta de seu valor inestimável à arte tumular, com obras assinadas por escultores famosos.
Foi a partir de 1858 que se inaugurou o ciclo dos cemitérios públicos de São Paulo – decretando-se o fim dos sepultamentos no interior das igrejas. Até então, havia apenas a exceção dos enforcados e dos escravos, sepultados no Cemitério dos Aflitos, no atual bairro da Liberdade (que hoje é testemunho da imigração japonesa). Desse período da escravatura na Liberdade resta apenas a Capela dos Aflitos.
O primeiro sepultamento aqui foi de um escravo. Com o passar do tempo, pessoas da elite foram sepultadas.
Túmulo mais antigo do cemitério, do capitão Jaime da Silva Telles
O arco de entrada foi projetado em 1902 por Francisco de Paula Ramos de Azevedo (que também projetou a Casa das Rosas e o Teatro Municipal). Ele foi sepultado aqui em 1928.
É também de Ramos de Azevedo a capela do cemitério em estilo dórico.
Capela do cemitério em estilo dórico
Túmulo de Monteiro Lobato, esse magnífico escritor que marcou tanto marcou minha infância com o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”.
O escritor que marcou minha infância
Marquesa de Santos doou terras ao Cemitério
Marquesa de Santos, ou Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867)
Do ponto de vista da História do Cemitério da Consolação, o personagem ali enterrado de maior destaque é, sem dúvidas, a Marquesa de Santos, ou Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867). Essa brasileira passou para a posteridade como a amante do imperador Dom Pedro I (nascido em Portugal) – sua esposa era Leopoldina da Áustria (Imperatriz do Brasil – em alemão Leopoldine Caroline Josepha von Habsburg-Lothringen). Domitila foi de grande importância ao Cemitério da Consolação, pois doou terras e recursos que seriam empregados na construção da capela dessa necrópole.
O jazigo de Domitila é em Carrara italiano, material que veio de Portugal, Lisboa, da Rua da Ajuda. Um anjo decora seu túmulo.
Já a então esposa de Dom Pedro, a austríaca Leopoldina, teve grande importância para a Independência do Brasil e foi a responsável por iniciar, a partir de 1824, a imigração alemã no país. Leopoldina convenceu Dom Pedro a trazer imigrantes oriundos dos reinos que posteriormente formaram a Alemanha e do Império Austro-Húngaro. Esses imigrantes germânicos vieram para povoar áreas desabitadas, principalmente no sul do Brasil e proteger o país de invasores espanhóis, ingleses e franceses, entre outros. Após a morte de Leopoldina, Dom Pedro se casou com Amélia de Leuchtenberg, filha do príncipe Eugênio de Beauharnais, Duque de Leuchtenberg, e da princesa Augusta da Baviera.
Entre as esculturas, vê-se uma proliferação de anjos nos jazigos, representando mensageiros de Deus:
Estão presentes também as famosas alegorias o Juízo Final, como no jazigo da família Sestini. Feito em mármore de Carrara vindo da cidade de Lucca, na Itália, em 1911, é uma obra do artista brasileiro Francisco Franceschi. O globo representa o universo e o anjo portando trombeta é quem anuncia os fins dos tempos.
Uma série de jazigos e mausoléus pertence a tradicionais famílias de origem libanesa e italiana. A opulência das esculturas reflete a prosperidade obtida por muitos sírios e libaneses no Brasil. Um exemplo é o jazigo em bronze da família Chedid Jafet, fundadora do Hospital Sírio-Libanês. A obra é do espanhol Rafael Galvez. Aqui há a escultura de uma mulher como se ela estivesse saindo do sepulcro e ascendendo em direção ao céu.
O túmulo do promotor público e político Cerqueira César veio da Alemanha. Trata-se de uma bela coluna com motivos decorativos em referência a rituais de queima de cinzas. A obra é em granito Itaquera, granito rosa e mármore. Os ornamentos são em bronze e há uma estátua de anjo aos prantos, também em mármore.
Jazigo do abolicionista Luiz Gama
Filho de um fidalgo português e de uma escrava africana, Luiz Gama foi escravo (vendido pelo próprio pai) e formou-se em Direito, atuando como advogado. Nascido em Salvador, Bahia, foi feito escravo aos 10 anos de idade e permaneceu analfabeto até os 17. Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar na advocacia em prol dos cativos, sendo já aos 29 anos autor consagrado (um dos ícones do Romantismo no Brasil) e considerado “o maior abolicionista do Brasil”.
Atingiu o grau 33 da Maçonaria e foi presidente por 5 vezes da loja da Maçonaria que o homenageia no jazigo (Loja América). Começou a carreira jornalística em São Paulo e fundou, em 1864, o primeiro jornal ilustrado humorístico da cidade, intitulado Diabo Coxo.
A Loja Maçônica América foi bastante ativa na causa abolicionista, sendo fundada por fundada por Luiz Gama e Ruy Barbosa. Quando de sua morte era o Venerável Mestre da instituição. Seu jazigo tem a decoração da cruz com rosas, símbolo de pureza na arte cemiterial, e do manto jogado sobre a cruz, que representa a perda e a dor.
Libero Badarò, médico que advogou contra sepultamentos em igrejas
Médico considerava sepultamentos em igrejas prejudiciais à saúde pública
Jazigo de Giovanni Battista Libero Badarò (Laigueglia, Itália, 1798 – São Paulo, Brasil, 1830). Médico, político e jornalista, Libero Badarò foi quem teve a ideia de encerrar os sepultamentos em igrejas, prática que ele considerava prejudicial à saúde pública. Partiu dele a defesa dos sepultamentos em necrópoles.
Líbero Badaró mudou-se para o Brasil em 1826, onde naturalizou-se e radicou-se. Na Itália, havia frequentado as universidades de Turim e Paiva, onde se formou em medicina.
Monarquia
Dom Luiz Gastão de Orleans e Bragança, tetraneto de Dom Pedro I
Um dos destaques é a Lápide de S.A.I.R Dom Luiz Gastão de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, Príncipe do Brasil, Príncipe de Orleans e Bragança e tetraneto de Dom Pedro I (Dom Pedro IV de Portugal). Foi o legítimo depositário dos direitos ao Trono e à Coroa do Brasil – de jure, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil – até seu recente falecimento, em julho de 2022. Com o falecimento de seu pai, a 5 de julho de 1981, Dom Luiz ascendeu à Chefia da Casa Imperial do Brasil, concorrendo de maneira decisiva, com sua célebre “Carta aos Srs. Membros da Assembleia Nacional Constituinte”, em 1987, para a revogação da “cláusula pétrea”, dispositivo constitucional que por quase um século havia deixado os monarquistas à margem da lei.
Ao longo das quatro décadas seguintes, o Príncipe percorreu todo o Brasil, participando de Encontros Monárquicos e eventos correlatos, buscando sempre ter contato com a realidade viva da nação. Viajou também aos Estados Unidos e à Europa, proferindo palestras, participando de eventos culturais e comparecendo a ocasiões de relevo da Realeza e da Alta Nobreza europeias.
Como Imperador “de direito”, Dom Luiz procurava dirigir-se à Nação através de comunicados e declarações à imprensa, sempre que oportuno. Mantinha ainda caudalosa correspondência e concedia audiências a monarquistas de todo o Brasil, jornalistas e outros que, independentemente de coloração político-partidária, desejavam conhecer suas opiniões acerca dos mais variados assuntos.
Obras Modernistas de Antelo Del Debbio
Pietà modernista
Exemplo de escultura modernista é o jazigo de Miguel Calfat, de ascendência libanesa, cuja escultura é uma Pietà mais modernista. A obra é assinada por Antelo del Debbio, importante escultor italiano modernista radicado no Brasil. Del Debbio está entre os escultores que mais projetou sepulturas no Cemitério da Consolação. Produziu a maior parte de suas obras entre 1920 e 1950 e trabalhou para o escritório Ramos de Azevedo, o qual remodelou a cidade de São Paulo no início do século XX. Diversas esculturas e monumentos de Del Debbio estão espalhados por museus, cemitérios e praças da cidade de São Paulo.
Há ainda outra lápide da família Calfat, também de autoria de Antelo Del Debbio. Neste trabalho escultórico, há símbolos farmacêuticos (cobras entrelaçadas) e da divindade Mercúrio. Uma mulher segura 2 guirlandas – em homenagem aos mortos sepultados. A obra se chama “A Caridade Amparando A Pobreza”.
E o jazigo da família Maluf, onde estão Chafic Maluf, Fauzi Maluf, Rose Farah Maluf, Alexandre Issa Maluf e Alice Maluf.
“O Sepultamento”, de Victor Brecheret
É uma obra-prima. Trata-se da lápide de Olívia Penteado, morta em 1934. Integrante de uma tradicional família de São Paulo de produtores de café, foi importante incentivadora das artes no começo do século XX.
A obra “O Sepultamento” é do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret. A estrutura, de 2,26 metros de comprimento por 3,6 metros de altura, produzida em granito, representa a Pietà acompanhada por quatro mulheres.
Euterpe
Lápide do maestro e pianista italiano Luigi Chiaffarelli. Euterpe, musa grega da música, adorna a sepultura, que também é decorada por uma lira. O trabalho escultórico é de autoria do italiano Nicola Rollo.
Nascido em Isérnia, na Itália, em 1856, criou em São Paulo uma escola de interpretação musical que persiste até hoje através de seus discípulos mais fieis.
Arte Abstrata
Bruno Giorgi é autor da escultura “Os Candangos”, famosa em Brasília
Obra abstrata “Prece” do brasileiro Bruno Giorgi. Ele é o autor da escultura “Os Candangos”, em Brasília. Lápide em mármore estatuário para o engenheiro Armando de Salles Oliveira.
Mausoléus
Os mausoléus chamam a atenção pela suntuosidade. Os brasileiros estudaram na Europa com professores de Arte de lá, à medida que perceberam na arte tumular uma forma de ganhar dinheiro. Escultores de renome eram contratados por famílias ricas com o propósito de erguerem majestosos mausoléus – o que garantia status perante a sociedade. Após semana de Arte Moderna de 1922 os artistas tumulares brasileiros ficaram mais conhecidos.
A obra do escultor Materno Giribaldi se faz bastante presente no cemitério. Um exemplo é este mausoléu de 1932 para uma família brasileira de origem libanesa. Neste mausoléu, homem e mulher seguram uma pira, representação do fogo da vida que se esvai. A porta tem a representação de Aurora – com simbologia cristã. O casal forma um arco para homenagear indivíduo importante na sociedade que, em breve, atravessará a porta, guiado por Aurora.
Pude admirar o maior mausoléu América Latina, do conde Francesco Matarazzo, patriarca dessa importante família brasileira de origem italiana, de comerciantes e industriais, que influenciou sobremaneira São Paulo e o Brasil. A obra, intitulada “Guardiães e Pietá”, é de autoria de Enrico Luigi Brizzolara. São 150 metros quadrados e 20 metros de altura de mausoléu em granito avermelhado, cercaduras e conjunto escultórico em mármore vermelho rosso de Verona; soleira em mármore importado; calçamento em travertino; portas com cruz celta, pombos e alto-relevo em bronze.
E o mausoléu da família Siniscalchi, inspirado em uma igreja gótica da Itália. Obra da marmoraria Savoia.