Roteiro de turismo histórico pelas cidades de imigração italiana na Serra Gaúcha

Casa em madeira (Caminhos de Pedra) construída por imigrantes

Nos 4 dias em que estivemos hospedados no Spa do Vinho, alugamos um carro e aproveitamos para conhecer as cidades de imigração italiana na região do Vale dos Vinhedos. No Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, essa colonização ocorreu a partir de 1875. No estado, predominam descendentes de imigrantes que vieram do Norte da Itália, de regiões como o Vêneto e o Trento. Eu também tenho uma remota ascendência italiana, de Veneza, pelo lado paterno: minha tataravó, Maximilia, cujo sobrenome era Fioravanti – bem comum na Itália e no Brasil, entre os ítalo-descendentes.

Entre 1880 e 1924, entraram no Brasil mais de 3,6 milhões de imigrantes, dos quais 38% eram italianos. Os três estados brasileiros com maior número de descendentes de imigrantes italianos são: São Paulo, com 13 milhões de descendentes (representam 32,5% da população), Paraná com 3,7 milhões (representam 37% da população) e Rio Grande do Sul (meu estado), com 3 milhões (representam 27% da população). A imigração italiana no Brasil e Argentina foi muito maior do que a imigração italiana nos EUA.

A imigração italiana ao Sul do Brasil fez parte do intenso movimento migratório europeu ao território americano no século XIX e início do século XX. Com os impostos elevados e a alta taxa de desemprego, os italianos viram no Brasil uma oportunidade de construir uma vida melhor. No estado do Rio Grande do Sul, a maior parte do território era desabitado e o Governo necessitava de mão de obra para substituir a recém-abolida força de trabalho escrava. Assim, deu-se o início da imigração italiana na região sul.

Os imigrantes saíam do Porto de Gênova, no norte da Itália, e, em pouco mais de um mês em navios sobrecarregados. Após a quarentena na Casa dos Imigrantes, viajavam de trem até Porto Alegre, onde eram alojados em habitações precárias. E de lá seguiam até a região da serra em busca de espaço para morar e trabalhar, cultivando a terra.

A seguir elenco os lugares que conhecemos – alguns mais turísticos, como os Caminhos de Pedra, e outros mais escondidos e distantes de Bento Gonçalves, nosso ponto de partida e, juntamente com Caxias do Sul, uma espécie de “metrópole” dessa região.

Antônio Prado

Casario tombado pelo Iphan em Antônio Prado

Começo o roteiro por Antônio Prado, considerada a cidade mais italiana do Brasil, distante a 1h40min de Bento Gonçalves. Além do português, as pessoas ainda se comunicam em dialeto vêneto. Eles vieram principalmente do Vêneto e do Trento no século XIX. Antônio Prado possui um excepcional conjunto arquitetônico constituído por casas de madeira e alvenaria, construídas no final do século XIX e início do XX pelos imigrantes italianos.

Com 14 mil habitantes, Antônio Prado foi a última colônia italiana criada no período imperial, em 1886, e hoje conta com o maior e mais completo conjunto arquitetônico da colonização italiana no Brasil, com 48 imóveis do centro urbano tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A cidade não valoriza apenas o patrimônio edificado, mas também a cultura popular de influência italiana através do patrimônio imaterial. Os registros de manifestações culturais do município são inúmeros, como grupos folclóricos de descendência italiana, o dialeto vêneto presente no cotidiano dos moradores locais, os corais, a gastronomia típica, as festas, a religiosidade e principalmente o artesanato.

As casas históricas são acompanhadas por placas explicativas, em português e italiano, sobre quem as erigiu, antigos proprietários e o tipo de estabelecimento que sediavam em outros tempos – cafés, enfermarias, escritórios, entre outras finalidades.

O nome da cidade foi em homenagem ao brasileiro Antônio da Silva Prado, fazendeiro de São Paulo que, como Ministro da Agricultura da época, promoveu a vinda dos imigrantes italianos ao Brasil, e instalou núcleos coloniais no Rio Grande do Sul.

Além destas casas tombadas pelo Iphan, há no centro da cidade uma escultura em homenagem a Giuseppe Garibaldi. Nascido em 1807, o italiano Giuseppe Garibaldi dedicou a vida a revoluções por independência na Itália e na América do Sul. Por isso, ficou conhecido como “herói de dois mundos” – o Velho e o Novo Mundo. O curioso é que, enquanto foi o responsável pela unificação da Itália, com sua atual configuração, aqui participou ativamente da revolução que visava ao separatismo do Rio Grande do Sul do restante do Brasil – separatismo esse que sempre fui contra, frise-se.

Homenagem ao país da bota (Itália) e a Giuseppe Garibaldi, que passou a posteridade como herói de 2 mundos

Além do monumento a Garibaldi, o outro em homenagem à Itália, o Leão de São Marcos, esculpido na cidade italiana de Chiampo pelo artista Enrico Pasquale. Os leões esculpidos em pedra de Vicenza possuem praticamente as mesmas dimensões do leão da Praça de São Marcos, em Veneza.

Além disso, visitamos em Antônio Prado uma feira de produtos agrícolas onde eram vendidos produtos como Grappa artesanal, a casa do artesão com bonecas feitas de palha e a igreja de lá, entre outras atrações.

Feirantes só se comunicavam em vêneto

Caminhos de Pedra

Pórtico de igreja construída por imigrantes, com alusões a vinhas

Rota de turismo rural de 12 quilômetros de extensão, distante a apenas 15 minutos de Bento Gonçalves, ao longo da qual o visitante encontra atrações voltadas ao resgate do patrimônio cultural dos imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul em 1875.

É uma ótima opção para compras de cutelaria, lã, queijos de ovelha, vinhos, salumeria, molhos de tomate e massas artesanais e bolos (cucas, kuchen). Ao logo do trajeto há uma série de restaurantes, bistrôs e cantinas italianas, além de ótimos cafés e vinícolas abertas à visitação. Os estabelecimentos comerciais funcionam em antigas casas construídas por imigrantes italianos no século XIX.

A motivação que deu início à transformação da região em área turística foi a preservação de dezenas de casas históricas, construídas em um estilo italiano de pedras e madeira. Hoje, mais do que um acervo arquitetônico importante, o roteiro Caminhos de Pedra oferece um mergulho na rotina de algumas das primeiras famílias italianas que chegaram à Serra Gaúcha no passado. Eles construíram tudo praticamente sozinhos, sem auxílio governamental no século XIX, pois os imigrantes foram deixados a própria sorte no meio da mata.

Bento Gonçalves

Pórtico é em referência ao barril de vinho, símbolo-mor da cidade

Cidade de imigração italiana onde está localizado o Spa do Vinho e uma série de hotéis. O símbolo maior de Bento Gonçalves é o Pipa Pórtico, que remete ao barril de vinho. É sede de grandes produtores de vinhos e da famosa Festa da Uva, que ocorre anualmente. Próximo ao pórtico há ainda uma placa com referência às cidades italianas irmãs de Bento Gonçalves.

Pinto Bandeira

Centro de Pinto Bandeira

Aproveitando o almoço no bistrô Colheita Butique Sazonal, demos uma volta pelo centro de Pinto Bandeira, mais uma entre as centenas cidades de imigração italiana na região. Fica distante a 33 minutos de Bento Gonçalves. Pinto Bandeira é considerada importante na serra gaúcha em termos econômicos, por figurar, ao lado de Bento Gonçalves, como outro grande polo na produção de vinhos brasileiros.

Garibaldi

Garibaldi é a capital nacional do espumante

Uma das principais cidades de origem italiana do estado, leva o nome do lendário Giuseppe Garibaldi. Menos de 15 minutos a separam de Bento Gonçalves. No dia em que chegamos estava intransitável, por conta de um festival na igreja relativo a um tipo de biscoito ou doce italiano, o Grostolli. Os moradores adoram esses festivais de colheita e comida e Garibaldi é a capital do espumante, sparkling wine.

Dia de festa do Grostolli

Meus pais moraram aqui quando eram recém-casados, no começo dos anos 60. Inicialmente, em 1870, Garibaldi recebeu imigrantes da Prússia, que aqui encontraram portugueses e índios Kaingang.

Mais tarde, em 1875, Garibaldi recebeu imigrantes italianos, provenientes principalmente do Norte da Itália. A primeira família de origem italiana que teve acesso à colônia foi a de Cirillo Zamboni, proveniente de Mattarello, Tirol, Império Austríaco, em 15 de novembro de 1875.

Construíram suas casas em madeira e depois em alvenaria. Os italianos organizaram videiras e lavouras de milho, trigo, aveia etc. Procuravam se agrupar nas práticas religiosas, erguendo capelas, onde se encontravam para rezar, conviver, celebrar e esquecer da saudade da pátria longínqua.

Garibaldi também recebeu famílias da Síria: Koff, Nehme, Mereb, Lahude e Nejar, que desenvolveram o centro desta cidade com suas grandes casas comerciais. A casa Koff é um dos prédios históricos do centro da cidade.

Nova Roma do Sul

Nas proximidades de Nova Roma há até um cemitério antigo dos imigrantes vindos da Suécia, mas não tive tempo de visitar

Já dizia o antropólogo e sociólogo brasileiro Darcy Ribeiro que o Brasil é a “Nova Roma”! Então, eis Nova Roma do Sul, outra cidade de colonização italiana (no caminho para Antônio Prado). Nova Roma do Sul fica a 1h de Bento Gonçalves. Não chegamos a entrar na cidade, mas paramos na Ponte de Ferro sobre o Rio das Antas. O local da ponte é usado para práticas esportivas como rafting e bungee jump.

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