Contemplada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (IPHAN) como “Patrimônio Histórico Oral Imaterial Nacional”, a Festa do Divino de Pirenópolis, iniciada cinquenta dias após a Páscoa, durante as festividades de Pentecostes, é uma das principais celebrações brasileiras do catolicismo popular. Foi introduzida no Brasil por colonizadores portugueses e se espalhou por diversas regiões. Em Pirenópolis, foi trazida na metade do século XVIII e movimenta toda a população da cidade. A melhor parte, que merece um capítulo à parte, diz respeito às Cavalhadas, com explicações em um post anterior. A Festa do Divino data do século XIII, remontando à Rainha Isabel, esposa de Dom Dinis, rei de Portugal, a qual ofereceu sua coroa ao Divino Espírito Santo, suplicando por paz entre Portugal e Aragão, hoje Espanha, que estavam em guerra. Alcançada a graça, a rainha levou a coroa à igreja, em procissão, no Domingo de Pentecostes.
Além das Cavalhadas, o ponto alto dessa festa popular, a Festa do Divino reúne diversas manifestações religiosas e folclóricas, como missas em latim, procissões, roqueira, mascarados, congadas e apresentações de grupos folclóricos, com o significado de receber o Divino Espírito Santo e suas bênçãos.
“Tantum ergo Sacramentum
Veneremur Cernui
Et antiquum documentum
Novo cedat ritui
Praestet fides supplementum
Sensuum defectui
Genitori, Genitoque
Laus et jubilatio
Salus, honor, virtus quoque
Sit et benedictio:
Procedenti ab utroque
Compar sit laudatio
Amen”
Figura central da festa é o Imperador do Divino, sorteado a cada ano entre os habitantes que desejem o título, que é considerado uma honra entre os habitantes de Pirenópolis e simboliza o rei e a corte portuguesa, autenticados pela coroa, pelo cetro e pelas virgens vestidas de branco que os antecedem na Procissão do Divino. A coroa e o cetro são ambos em pura prata e foram confeccionados em 1826 a mando do então Imperador, o padre Manuel Amâncio da Luz.
O que vimos no sábado, domingo e segunda-feira, nos dias 19, 20 e 21 de maio de 2018:
- No sábado à noite, a atração é a Novena, com os cânticos tradicionais da Orquestra Nossa Senhora do Rosário, entoados em latim. Ocorre na Igreja Matriz, uma construção colonial de 1728;
- Levantamento do mastro com a bandeira do Divino, na Igreja Matriz, por membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento. A bandeira com uma pomba branca, envolta por um círculo dourado e cabeças de anjos, é benta durante a missa;
- Roqueira, fogueiras e queima de fogos: de origem portuguesa, a roqueira é uma salva de tiros que imita o canhão roca. O ato tem a intenção de demonstrar a felicidade em saudar o Imperador do Divino. Uma enorme fogueira é acesa ao lado da igreja iluminada por luzes azuis e vermelhas. A tradicional queima de fogos tem o mesmo objetivo de cumprimentar o Imperador;
- No dia seguinte, domingo pela manhã, a Procissão do Divino, com o cortejo imperial, levando pelas ruas o Imperador do Divino até a igreja matriz para a missa matinal. Ao som da Banda Phonenix, que existe há 120 anos, a família do imperador segue até a igreja. A comitiva é aberta por antigas bandeiras do Divino e por quatro grandes flâmulas do Espírito Santo;
- Após a Missa de Pentecostes, é realizado um sorteio, que anuncia o Imperador da festa do ano seguinte. O padre estende a coroa para ser beijada por ambos os Imperadores (o atual e o sorteado para a festa do ano seguinte). Feito isso, o atual Imperador, retorna, em cortejo, à sua casa, onde, tradicionalmente, são distribuídas pacotes com Verônicas de Alfenim (um doce de açúcar de origem árabe, também trazido ao Brasil pelos portugueses) e Pãezinhos do Divino;
- Congada: manifestação cultural afro-brasileira, sincrética, que reúne elementos temáticos africanos e ibéricos. É um bailado dramático com cantos e muito batuque de zabumba (um tipo de tambor), que recria a coroação de um rei do Congo e ao mesmo tempo exalta o cristianismo. Seus personagens são masculinos, havendo três principais figuras: o Rei (que conduz um cetro), o Secretário e o Embaixador;

- Além da Congada, apresentações de Catira, Pastorinhas, Congo (Africano/Indígena/Português) e da Banda de Couros. A Catira é uma dança folclórica brasileira, marcada pela batida das mãos e pés dos dançarinos. É sincrética: uma mistura das influências europeia, indígena e africana;


- A Banda de Couros é um conjunto instrumental de percussão e sopro, dos mais antigos e autênticos da música folclórica brasileira, que remonta às festas dos africanos escravizados. É comum nas regiões Nordeste, onde recebe o nome “Banda de Pífanos” e Centro-Oeste, como aqui em Goiás. Em Pirenópolis, o repertório inclui músicas tradicionais das Festas Juninas, como “Cai, Cai Balão” e cantigas de roda, tocadas no saxofone pelo organizador da banda. Os integrantes da banda são em sua maioria pequenos produtores rurais;
- Pastorinhas: dança folclórica originária de Portugal, dramatizada por meninas. É um rito de passagem que simboliza o momento de apresentação das adolescentes à comunidade local. No enredo inspirado na viagem dos Reis Magos em visita a Jesus, pastoras seguem a Belém com o intuito de homenagear o menino Jesus. É um auto de Natal comum no Nordeste, Sudeste e aqui em Goiás, onde foi inserido em Pirenópolis na década de 1920 por um nordestino. As Pastorinhas se apresentam no Natal e na Festa do Divino. As moças se distribuem entre cordões vermelho e azul, interpretando as personagens Fé, Esperança, Caridade, Cigana, Anjo, Diana e Religião. Homens interpretam Simão, Benjamin e Luzbel (o demônio);
- Dança das Fitas (Pau-de-Fita): dança folclórica originária da Europa. Em ciranda, os dançarinos giram ao redor de um mastro central, onde estão presas fitas coloridas. No Brasil, é popular, além da Festa do Divino, nas Festas de Reis e no Natal. É dança típica nas Festas Juninas do Nordeste e do Sudeste. Na Região Sul, eu assisti, por diversas vezes, a coreografias de Dança das Fitas em festas folclóricas dos Gaúchos e naquelas originárias da Alemanha e das Ilhas de Açores, mantidas até hoje por grupos de dança folclóricos em cidades de maioria germânica ou açoriana do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em Pirenópolis, crianças vestidas de branco, com fitas vermelhas na cintura e chapéus de palha dançam no Largo da Matriz e na cerimônia de abertura das Cavalhadas;
- Na segunda-feira pela manhã, Reinado de Nossa Senhora do Rosário, com missa e consagração do Rei e da Rainha de Nossa Senhora do Rosário. O Congo e a Congada entram na igreja ao fim da missa para apresentações musicais.
Enfim, uma festa popular brasileira que vale a pena ser prestigiada. É uma ótima dica para quem quer conhecer a cultura de Pirenópolis e do Goiás mais a fundo.
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