
Vista da janela do meu hotel. Essa cidade portuária é bem alemã. Estive na fronteira com a Alemanha. Na verdade, a II Guerra Mundial começou aqui. É o que era a Pomerânia (e é cheio de pomeranos no Brasil, no Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina). Eles argumentam que, muito antes de ser Pomerânia, aqui já havia os Kassabians com língua própria etc. Os alemães a consideravam a “joia do leste alemão”. Na verdade, essa região aqui foi disputada por povos germânicos e eslavos por mil anos, desde a chegada dos Cavaleiros Teutônicos (que tomaram a região da Polônia em 1361) antes de ser quase que completamente incorporada à Polônia após a II Guerra. Antes, em 1793, essa cidade foi incorporada à Prússia.
À medida que eu fui andando por essa cidade, onde passei dois dias, aumentava a sensação de que parecia que eu estava em uma cidade alemã. A arquitetura é bem prussiana. Aqui é mais para Alemanha do que pra Polônia. É muito diferente de Varsóvia. Eu achei Varsóvia linda, mas essa Gdansk é espetacular. É uma das cidades mais bonitas que eu já vi. Obrigada Deus, pelo dom da visão, por me proporcionar tanta beleza por horas seguidas.
O taxista que me trouxe da estação de trem ao hotel falou que é muito forte a presença da cultura alemã aqui e que os mais velhos falam alemão, enquanto que os jovens não, falam polonês e inglês.







































No dia seguinte, me dirigi a Westerplatte, onde a II Guerra começou às 4h45 do dia 1o de setembro de 1939, quando o couraçado alemão Schleswig-Holstein bombardeou o posto naval polonês, a 7 km do centro de Gdansk. A tropa polonesa resistiu por uma semana até se render. Há as ruínas e um memorial – que foi visitado pelo Papa João Paulo II, que era polonês. Peguei um táxi para visitar os locais mais afastados, o motorista me fez um preço bom, mas foi o diálogo mais surreal que já travei até hoje: filho de alemão com uma polonesa, o senhor de 80 anos não falava nada de inglês, cismou que eu era alemã (!) e só falava em alemão comigo… Eu tive que puxar pela memória do pouco tempo que estudei da língua e quase não entendia nada…. Era só “Panzer!”, “Schleswig-Holstein”, “Baltikum”, era isso… E o pouco que eu falava em português ele entendia.
Em seguida, o motorista me levou a Oliwa, perto de Gdansk, onde fica a Catedral de Oliwa, no Parque Oliwski. Foi construída no século XIII com fachada gótica. O famoso órgão barroco é usado em recitais que ocorrem de hora em hora nos meses de verão. Há um museu etnográfico e uma galeria de arte moderna no antigo Palácio dos Abades.
Outra igreja imperdível é a Igreja de Santa Maria, uma obra prima da arquitetura gótica do século XIV e a maior igreja de tijolos do mundo. Fabuloso é o relógio astronômico, com símbolos do zodíaco.
Em Gdansk estive em dois locais que mostram o passado alemão da cidade (quando era Cidade Livre de Danzig, entre a I e a II Guerra Mundial, não pertencendo nem a Polônia e nem a Alemanha). O primeiro é o Museu Freie Stadt Danzig. Há tudo sobre esse período. Eles adotaram o idioma alemão como língua oficial e tudo na cidade (empresas, jornais, entretenimento, bebidas etc) não tinha a ver com a cultura polonesa.
Daí perguntei ao responsável pelo museu, polonês, e ele me falou o seguinte: “nessa região aqui, incluindo cidades como Sopor, Gdynia e outras da Pomerania do Leste, a cultura prussiana sempre foi muito forte. No século XIX ainda mais. A verdade é que em Gdansk, por volta do fim da I Guerra Mundial, só 10% da população era polonesa e a única instituição onde era possível se sentir na Polônia na cidade era nos Correios. Mas aqui era uma cidade prussiana”. Dai eu perguntei: “mas todo mundo aqui é polonês. Aonde foi parar esse povo alemão?” E ele: “após a II Guerra, Danzig passou a pertencer a Polônia. Alguns alemães ficaram, mas a maioria foi expulsa da cidade, sendo enviada a locais na Alemanha”.
Algumas fotos desse curioso museu, que reúne até os jornais e a publicidade da época em Danzig.
… E o segundo local que mostra esse passado alemão é a Corte de Artus, um prédio de interior bem extravagante, onde comerciantes costumavam se reunir quase como uma sociedade secreta. Vendo as pinturas, documentos e os nomes das famílias, todos alemães (mostrando famílias que hoje residem na Alemanha), perguntei a um guia e ele me confirmou que boa parte dos comerciantes que ali se reuniam eram todos de origem alemã. E falou mais ou menos o que escutei no outro museu, acrescentando que “na verdade, só 7% da população nessa cidade era polonesa. Aqui era uma cidade alemã em todos os aspectos”.
Gdansk também é famosa porque, nos anos 80, foi o lar do Sindicato Solidariedade, cuja ascensão veio em paralelo com a queda do comunismo na Europa. No Europejskie Centrum Solidarności I (European Solidarity Centre), as exposições marcam o declínio do comunismo polonês e o surgimento do Sindicato Solidariedade. Qualquer um interessado na História de Gdansk deve visitar. O Solidarność foi uma federação sindical polonesa fundada em 1980 nos Estaleiros Lenin, Gdansk, originalmente liderada por Lech Walesa. Com 1/3 da população total da Polônia em idade de trabalho, o Solidariedade se tornou um amplo movimento social esquerdista contrário ao burocrático governo comunista de então, utilizando métodos de resistência civil para avançar mudanças sociais.
É interessante pra mostrar, com ampla documentação e recursos (o museu é excelente, muito interativo) que repressão, violência, caminhões borrifando jatos d’água em manifestante, entre outras cenas, não ocorrem apenas em “golpes de direita” ou como era no Chile. Dá pra ver que ditadura de esquerda é tão repressiva quanto com relação aos críticos e dissidentes – se não ainda mais. O governo de lá se armou contra a sociedade, agindo de forma bastante abusiva.
O papa João Paulo II foi uma figura central nesse movimento também. Ele, polonês, lutou bastante contra o comunismo na Polônia e demais países do Leste europeu. Lech Walesa formou um movimento anti-soviético que incluía pessoas associadas a Igreja Católica e a esquerda anti-soviética.
Perto dali, há o Monumento aos Trabalhadores nos Estaleiros, erguido no fim dos anos 80 em memória aos 44 trabalhadores mortos durante as revoltas de dezembro de 1970, que foi o primeiro monumento erguido por um governo comunista para homenagear vítimas do próprio regime.
E assim eu passei dois dias em Gdansk. Uma cidade encantadora, repleta de história por todos os cantos.