Obrigatório para quem, como eu, adora Literatura Gótica, William Beckford (Vathek) e Byron.
O Palácio de Monserrate, nos arredores de Sintra, com jardim selvagem e romântico, emaranhado de árvores exóticas e arbustos floridos. Os jardins, projetados no século XVIII por William Beckford, um dos principais nomes da Literatura Gótica (seu romance Vathek está entre os meus favoritos!!) foram imortalizados por Lorde Byron no poema Childe Harold’s Pilgrimage, de 1812.
E como eu sou fã de Byron e mais ainda de William Beckford, a visita ao Monserrate foi obrigatória. William Beckford foi um aristocrata inglês, romancista, autor de Vathek (1786), crítico de arte e escritor de viagens. Foi perseguido nos últimos anos da sua vida devido a sua homossexualidade. Beckford viajou para Itália, Portugal e Espanha (viveu em Sintra e Lisboa) e escreveu diários de viagens repletos de descrições brilhantes de cenas e costumes.
A fama de Beckford, contudo, tem origem tanto nas suas excentricidades e extravagâncias como construtor e colecionador. Foi desta forma que Beckford dissipou sua fortuna, considerada uma das maiores de sua época. Nos jardins do Palácio de Monserrate, ele chegou a construir um falso Cromeleque (estrutura pré-histórica portuguesa usada para fins religiosos), que teria sido erigida entre 1794 e 1799.
Para maior entendimento acerca de meu interesse sobre Literatura Gótica, deixo aqui uma pequena resenha que escrevi certa vez sobre o livro The Gothic: 400 Years of Excess, Horror, Evil and Ruin, uma das fontes que utilizei no capítulo acerca da Literatura Gótica na minha monografia de conclusão do curso de Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), em 2002:
“Relendo The Gothic: 400 Years of Excess, Horror, Evil and Ruin pela oitava vez. E a cada leitura – a primeira vez que o li foi em 2001 – meu gosto pela Literatura Gótica só aumenta. Esse livro, de autoria de Richard Davenport-Hines é OBRIGATÓRIO a qualquer admirador sério dessa modalidade da literatura fantástica, surgida no final do século XVIII, e assim denominada porque as histórias eram ambientadas em construções góticas, como castelos e casarões.
Uma corrente literária que é uma modalidade mais sofisticada do terror, pois o medo não é somente físico, mas também melancólico. No século XIX, o ultra-romantismo, o decadentismo e o dandismo foram notoriamente influenciados pelo romance gótico, principalmente pelo desencanto e escapismo neles apresentados. O romantismo negro herdou não somente a melancolia do romance gótico, mas também cenários e temas: florestas terrificantes, cemitérios, lua cheia, bem como mortas amorosas – para citar alguns exemplos.
Se para Baudelaire, antecessor da poesia simbolista, com sua “fatal fadiga de viver”, o racional era tedioso e instigante era a exploração do desconhecido, a natureza perdera o atrativo e a boemia da vida urbana tornou-se motivo de frisson, para os Decadentistas o escapismo primava pelo hedonismo do tempo e pela decadência voluptuosa. Enquanto isso o Dandismo demonstrou um escapismo essencialmente estético, de refinamento nas roupas e nos trejeitos.
É por tudo isso que eu amo verdadeiramente esse universo…
E infelizmente a Literatura Gótica, objeto de análise desse livro fabuloso, é vista com desdém por muitos críticos, ignorantes, do real significado da crítica social presente nessas histórias. Há quem diga, com desprezo, que a superioridade do romantismo inglês não está nas histórias macabras, mas sim nas produções artísticas distantes dos temas fantásticos.
O autor inicia por aquele considerado o primeiro romance gótico, O Castelo de Otranto, do escritor inglês Horace Walpole. O romance gótico teve influências de John Milton e Shakespeare. Tudo isso transposto no ambiente de um castelo gótico. A partir daí, o termo “gótico” perdeu completamente seu sentido, enquanto designação para um gênero literário. A palavra perdeu o conteúdo originário de “bárbaro”, derivado das hordas que invadiram o Império Romano e a arquitetura “Gótica” transfigurou essa palavra, sugerindo ideias de delicadeza extrema e de refinamento de concepção e estrutura.
O termo adquiriu um significado totalmente diverso do anterior. A fim de remeter ao terrífico, qualquer tema poderia designar o gênero literário surgido no século XVIII – ao invés de “gótico”.
O interessante é que Davenport-Hines considera a origem desse termo e seu real significado como explicativo de um povo (os Godos), sugerindo terror e escuridão, de destruição em um período histórico repleto de incertezas.
As melhores passagens são as que se referem às influências arquitetônicas e paisagísticas da Literatura Gótica. As catedrais e palácios no estilo gótico nunca foram desqualificadas no Reino Unido e na Alemanha e durante o romantismo arquitetura Gótica foi muito valorizada. Os abastados financeiramente percebiam o gótico como meio de intimidar e de demonstrar hegemonia econômica. O fenômeno não era exclusivamente inglês, pois os alemães percebiam o gótico enquanto evocação da nacionalidade germânica.
Na Inglaterra, o duque de Argyll construiu Inveraray, uma residência que remontou ao poderio feudal. Ele era frio, autoritário e hábil negociador. Assim, o imaginário do castelo gótico, combinação vilão típico das histórias góticas como Drácula ou O Castelo de Otranto já estava consolidado.
Outra influência foram os jardins ingleses, as cavernas e os cemitérios. A nobreza combinava a natureza com elementos artificiais como ruínas e catacumbas. Os jardins adquiriam então uma característica diversa ao do modelo geométrico dos jardins do Palácio de Versalhes. No livro consta a influência decisiva para o paisagismo “gótico” do italiano Salvator Rosa, que era fascinado pela mistura de suntuosidade e paisagem cinza de Nápoles e do vulcão Vesúvio, símbolo da natureza implacável e que destruiu a cidade de Pompéia. Rosa pintava cenários desoladores, com árvores retorcidas e retratava os marginalizados pela sociedade.
Outra influência é a do pintor espanhol Francisco José de Goya e Lucientes – também influenciado por Salvator Rosa. Goya expressou um lado gótico inspirado na depravação de seu tempo e na hipocrisia da Revolução Francesa. Em Os Ratos Chinchillas, a nobreza é retratado em cenas patéticas, com as orelhas presas por cadeados, dando a entender o descaso com a realidade. Há ainda outras referências estéticas, como os pintores Fuseli (consolidação do imaginário terrífico) e Piranesi (com as ideias de punição e aprisionamento).
Bom, o autor analisa os maiores clássicos da Literatura Gótica, como Frankenstein e Drácula – ambos os títulos não poderiam faltar na análise.
Vathek de Beckford… bem, o autor residia em Fonthill Splenders, um castelo com ornamentações orientais, o que contribuiu pelo seu gosto por construções e fábulas orientais, principalmente árabes. À medida que Beckford era excluído da mesma nobreza que adulava sua família, iniciava reformas cada vez mais constantes em sua residência e enclausurava-se nela com o mesmo prazer que via um desenho das prisões de Piranesi. Em Vathek, o vilão é um califa furioso que comete uma série de crueldades.
Os meus romances preferidos, que ele também analisa, são Vathek, de William Beckford (um excêntrico muito talentoso!), as obras do Marquês de Sade e o Monge. William Beckford vivia de reformar constantemente sua casa, não tanto com o intuito de transmitir poderio econômico (uma das maiores fortunas de sua época), mas como modo de fugir da realidade. Era homossexual e perseguido pela sociedade – aliás, muitos desses talentosos escritores ou eram homossexuais ou se destacavam por algum tipo de excentricidade.
Matthew Gregory Lewis, autor de O Monge, outro livro meu preferido no gênero, escandalizou a sociedade de seu tempo com um erotismo perverso que apresentava. É uma obra libertina, quase como os escritos do Marquês de Sade. Em O Monge, o Monge Ambrosio é seduzido por Matilda, uma mulher sem escrúpulos, e é condenado a Inquisição.
Donatien Alphonse Francois, mais conhecido como o Marquês de Sade, também se tornou célebre por um romance não apenas libertino, mas principalmente gótico: 120 dias de Sodoma. Enquanto Lewis apresentava a ruína moral, Sade primou pela ruína corporal. Para o autor de The Gothic, Davenport-Hines, isso foi reflexo das atrocidades cometidas pela Revolução Francesa e, assim, Sade, em certa medida, abordou o canibalismo de forma análoga aos quadros de Goya.
Enfim, livro imperdível. Muitas análises… Mostra que a Literatura Gótica é versátil, reflete os dramas e ansiedades de uma época”.